segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz 2013

Feliz ano Novo


Fernando Rocha


CULTURA E DIVERSIDADE: uma discussão histórica e pedagógica sobre a cultura afro-brasileira na educação.

Fernando da Rocha Rodrigues¹
Jessica Nunes da Silva²
Shara Caetano Soares³
Shirley Aparecida de Oliveira4
Tátila Daniele da Silva5
RESUMO
Este artigo propõe uma discussão histórica e pedagógica sobre a cultura afro-brasileira na educação. Visando mostrar a importância desta cultura para o patrimônio brasileiro. Torna-se necessário trabalhar a afro brasilidade na educação abordando suas riquezas, e repensar relações étnico-raciais, sociais e pedagógicas como é assegurado na lei 10.639/2003.  Os assuntos decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana devem fazer parte dos estudos do cotidiano escolar, pois é imprescindível que os alunos sejam educados enquanto cidadãos participativos em uma sociedade multicultural e pluriétnica e se tornem capazes de construir uma democracia cultural.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura. Afro-brasilidade. Educação. Diversidade.

ABSTRACT
This article will give a discussion on the historical and pedagogical african-Brazilian culture in education. In order to demonstrate the importance of culture for the Brazilian heritage, it is necessary to work in this culture education in order to show their wealth, and rethink ethno-racial, social and educational as it is guaranteed by law 10.639/2003. The issues arising from the history and culture african-Brazilian and African studies should be part of everyday school life, it is imperative that students educate themselves as participatory citizens in a multicultural and multi-ethnic society and become able to build a democratic nation.
KEY-WORDS: Culture. African-Brazilian. Education. Diversity.






INTRODUÇÃO


Pretende-se nesse artigo fazer uma discussão histórica e pedagógica sobre a cultura afro-brasileira, mostrando como se formou essa cultura, quais foram os fatores que ajudaram ou atrapalharam o seu desenvolvimento, a questão da democracia racial, como a religião está ligada na formação dessa cultura e abordar sobre a necessidade de trabalhar a consciência negra na educação, valorizando os aspectos da cultura afro-brasileira na formação da sociedade brasileira.
          Para entender esse processo, é preciso reportar ao início da formação da cultura brasileira, pois sabe-se que o Brasil é um país marcado por diferentes etnias e cada uma possui tradições culturais diferentes. Nota-se em alguns livros, como o clássico Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre (1933) a ideia de que existe uma democracia racial, em que o Brasil foi formado por uma mistura de raças, que são: branca, ameríndia e negroide, e que cada uma delas trouxe contribuições ao povo brasileiro, vivendo de forma “harmoniosa”. O termo “relações raciais harmoniosas”, usado pela UNESCO (MAIO 1997) também mostra essa “democracia racial”. Porém, diferente de um final feliz, a história do Brasil foi marcada por violência e uma negação da cultura afro e ameríndia, pois eram consideradas inferiores à cultura europeia, ou seja, a cultura do dominante. Para Marx apud Santos (2010) a cultura da classe dominante é a cultura dominante, essa cultura dominante seria a cultura dos grupos hegemônicos e a cultura dominada a cultura dos subordinados. Para entender essa dominação dos europeus sobre a cultura afro no Brasil, é preciso reportar ao que seria cultura popular e cultura erudita, pois a cultura europeia seria a cultura erudita. As culturas populares são derivadas da cultura dominante, não existem de forma autônoma.
Macedo (1989, p.29) afirma que esse tratamento dado às demais culturas que não eram europeias:

[...] trouxe como implicação a ideia de que certas religiões são inferiores, ‘superstição de gente atrasada’. No decorrer de nossa história, as manifestações religiosas de índios e negros foram submetidas a um processo de dominação cultural em que se procurou desvalorizar suas crenças, chegando-se, no limite, à perseguição de seus fiéis. Índios e negros, considerados pagãos, foram submetidos a um processo de cristianização compulsória [...] Já os negros, escravizados, tinham de se submeter às crenças de seus senhores. A forma de resistência que encontraram foi ‘traduzir’ seu culto aos orixás para a linguagem dos santos católicos.

A colonização foi marcada pela cultura judaica cristã. A igreja teve grande importância não só no período pré-colonial, mas manteve-se após a implantação da República, e deixou marcas na cultura popular. Junto com as práticas oficiais da Igreja surgiram paralelamente práticas populares como os curandeiros, festa de santos entre outros, que incorporaram também aspectos de outras religiões, o que denominamos de sincretismo religioso (MACEDO, 1989). Segundo Bittencourt Filho, a matriz religiosa brasileira é composta por uma mistura de elementos culturais diferentes e sua mesclagem com o aspecto religioso-sagrado, em um país formado por culturas tão diversas. Isto mostra que mesmo com a repressão do cristianismo as outras culturas religiosas não desapareceram, mas se adaptaram ao novo contexto por meio da reelaboração cultural, em que a preservação da memória africana é, portanto, reelaborada como afro-brasileira. Este fenômeno é chamado de sincretismo religioso.
Antes de abordar sobre a cultura afro-brasileira, é necessário fazer à priori um breve estudo sobre o conceito de cultura, mostrando os processos de endoculturação, etnocentrismo e aculturação.


        CULTURA E SUAS IMPLICAÇÕES


          A cultura de um modo geral está sempre em movimento. Em uma população cada membro possui valores culturais, e segundo Melo (1987, p.80)

Em uns predomina o ódio, noutros predomina o amor: a felicidade é cultuada e traída. Alimentos são produzidos e distribuídos; a arte e o artesanato são produzidos, modificados e até distribuídos; a linguagem, não obstante sua estabilidade passa por modificações sutis.

          Essa citação acima deixa claro que todas as culturas estão em mudança permanente, mostrando que nenhuma cultura chega ao extremo da estabilidade, e há sempre uma dinâmica. Para Melo (1987, p.80) cultura trata-se de um padrão coletivo de comportamento que sempre se atualiza cujas raízes se perdem no tempo e no espaço, sendo necessário “[...] não esquecer que a cultura é um modo coletivo de provar a sobrevivência de todos e de cada um dos membros da população”. Já Macedo (1989) conceitua a cultura como o conjunto de modos de fazer, interagir e representar, desenvolvido pelos homens como uma solução ou resposta para as necessidades de sua vida em comum. 
Na visão antropológica a cultura é uma dimensão significativa inerente ao comportamento humano, na qual todos os homens possuem cultura. Todo comportamento humano “[...] envolve representações e na vida em sociedade são produzidos conjuntos ou sistemas explicativos que servem como modelos para as condutas e são, também, modelos de conduta.” (MACEDO, 1989, p11). Sendo assim, as pessoas elaboram formas de explicar e compreender sua vida, a religião é uma dessas formas.
De acordo com Laraia (2001) em 1871, Edward Tylor (1832-1917) definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética, como diríamos hoje. As pessoas ajustam-se aos padrões de cultura da sociedade. Laraia (2001, p. 26) ao resumir a contribuição de Kroeber para a ampliação do conceito de cultura relaciona os seguintes pontos:
1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.
2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo por que passou.
3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em vez de modificar para isto o seu aparato biológico, o homem modifica o seu equipamento superorgânico.
4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu hábitat.
5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas.
6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação) que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional.
7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.
8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos de seu sistema cultural, e criar um novo objeto ou uma nova técnica. Nesta classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o fogo através do atrito da madeira seca; ou o primeiro homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha etc. São eles gênios da mesma grandeza de Santos Dumont à Einstein.  Sem as suas primeiras invenções ou descobertas, hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado ao que é hoje.
Os primeiros contatos da criança com a cultura é por meio da endoculturação, que seria os aspectos da experiência de aprendizagem que distinguem o homem das outras criaturas, por meio da qual consegue ser competente em sua cultura. Segundo Macedo (1989) a endoculturação se torna importante por ajustar o indivíduo à sociedade.
O antropólogo Laraia (2001) em seu livro “Cultura: um conceito antropológico” diz que John Locke (1632-1704), em 1690, ao escrever “Ensaio acerca do entendimento humano”, procurou demonstrar que a mente humana não é mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento, através de um processo que hoje chamamos de endoculturação. E esta afirmação remete a ideia de que uma mudança no ambiente refletirá no comportamento humano, ou seja, o comportamento do homem é fruto do seu meio. Sendo assim, “O problema é que o homem, uma vez endoculturado, jamais deixará de ser um agente de sua cultura” pois “[...] a cultura penetra toda a vida do homem” (MELO, 1987, p.89). E isso talvez explique a resistência e a força dos negros escravizados no Brasil, para manter sua cultura viva.
Segundo Melo (1987) a vida do homem é dividido em três etapas distintas, em que a primeira etapa é do nascimento à juventude, nessa fase o homem aceita praticamente todas as mensagens da cultura; a segunda etapa é a maturidade, nessa fase o homem aceita as mensagens da cultura em função da cultura anteriormente interiorizada, partindo para a reformulação e recondicionamento; a terceira etapa é a velhice, na qual raramente aceita uma reformulação, a cultura interiorizada está cristalizada e impermeável às novas sugestões da cultura. O processo de endoculturação pode levar o homem ao fenômeno chamado de etnocentrismo, que é a atitude dos grupos humanos de supervalorizar seus próprios valores. Laraia (2001, p. 72-73) diz que:
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.

 E isto pode ser notado na época da colonização do Brasil e também atualmente, no que diz respeito à falta de tolerância religiosa e cultural.
Diferente da endoculturação existe o processo de aculturação que se dá pelo contato de duas ou mais matrizes culturais diferentes, ou seja, pela interação social entre grupos de culturas diferentes, sendo que todos, ou um deles, sofrem mudanças, tendo como resultado uma nova cultura (MELO, 1987). Como no caso da formação da sociedade brasileira, pois as influências da cultura africana, europeia e indígena deram origem a constituição da cultura nacional.
A cultura é universal, pois todo ser humano possui cultura, porem de forma peculiar, em que cada manifestação cultural é única. Ao mesmo tempo em que é dinâmica é também estável, tentando adequar-se aos novos desafios, ao mesmo tempo em que tenta proteger a identidade cultural do grupo. Segundo Rassi (2004, p.15) “a riqueza do patrimônio cultural da humanidade está na sua imensa diversidade e, quando uma cultura desaparece, esse patrimônio se ressente”. Por isso é necessário valorizar todas as culturas existentes na sociedade, pois cada uma contribui de forma única e importante para a identidade da cultura nacional.
Segundo Rassi (2004) foram várias as discussões no decorrer da humanidade sobre as diversidades culturais. Essas discussões possuíam afirmações etnocêntricas, em que, supervalorizavam a sua cultura como a única correta, impondo-a às pessoas e inferiorizando os costumes diferentes. No século XIX, o discurso baseava-se nas teorias deterministas, chegando a referir a raça como explicação para a diversidade cultural. Já Montaigne apud Rossi (2004) inaugura o relativismo cultural, afirmando que não existe uma verdade única, tratando a diferença como uma alternativa e não ameaça. No século XX a Antropologia mostra que para compreender a diversidade cultural é preciso voltar os olhos para as demais culturas, pois quando olhamos somente a nossa cultura nos tornamos cegos e incapazes de enxergar o diferente sem discriminá-lo. E isto por que:
O conhecimento (antropológico) de nossa cultura passa, inevitavelmente, pelo conhecimento das outras culturas; e que devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível, entre tantas outras, mas não a única. (LAPLANTINE, 2000, apud RASSI, 2004, p. 17).

Esse pensamento antropológico contribui para o entendimento das diversidades culturais, e ao respeito que se deve ter com as mesmas. Talvez a negação e discriminação ao diferente ocorram pela falta de alteridade e medo de colocar em evidência e dúvida a organização de um grupo cultural. Mas é preciso compreender que não existe uma verdade absoluta, e aquilo que faz sentindo para um grupo pode não fazer para o outro e vice e versa.
Ao falar de diversidade cultural, é importante citar a diversidade existente no Brasil, pois sabe-se que o mesmo é rico em culturas e foram diversos povos que efetivamente participaram da sua construção, mas alguns tiveram seus papeis inferiorizados como os índios e  os afrodescendentes. Como a intenção desse artigo é falar sobre a cultura afro, para compreendê-la melhor é preciso, entender sua história, os percursos que passaram para chegar ao que denominamos hoje de cultura afro-brasileira. E no tópico à seguir será feita uma discussão histórica, abordando os aspectos, as características e a importância da cultura afro para a construção da cultura brasileira.

2. CULTURA AFRO BRASILEIRA: conceitos e historicidades

A sociedade brasileira é formada por uma mistura de etnias de vários países distintos, isto se deu também pelo fato do grande fluxo de escravos vindos de outros países. Segundo o autor Kitahara (1998, p.132):

Na sociedade brasileira, não existe um critério muito claro de divisão de cores (...). Pode ate existir um certo tipo de consciência de raças. Porem, a ‘linha de cor’ não esta definida na sociedade. Sendo neste pensamento que fazemos um reflexo sobre o preconceito racial, uma forma de caracterizar as pessoas na sociedade que esta inserido.

          A África no século XV possuía uma sociedade pluricultural, e quando se iniciou o tráfico de escravos ela “[...] era possuidora de várias culturas, diversificadas entre si, com diferentes níveis tecnológicos e vivenciados por grupos étnicos, por sua vez também bastante diversificados.” (RASSI, 2004). O Noroeste da África possuía dois grupos bem distintos que eram os sudaneses, localizados no nordeste da costa e os bantos localizados no sul da linha do Equador. Os povos sudaneses eram alfabetizados, e constituídos por mandigas, nagôs, haussas, uolofes, sendo estes, de reinos desenvolvidos. Os bantos eram formados por cabindas, benguelas, congos, angolas, considerados ótimos agricultores. Esses povos falavam variadas línguas entre elas: Volof, usada nas terras senegalesas; Bambara e mandiga, usadas no Sudão Ocidental; More, usada pelos mossis; Haussa, usada no norte da Nigéria; Canuri, usada na Costa do Marfim; Fon, usada no daomedano; Duala, usada no Camarões. Estes grupos dividiam-se em grupos religiosos sendo estes, animistas, cristãos e mulçumanos. O tráfico negreiro desses povos ocorria de maneira desumana (RASSI, 2004).
A viagem da África ao Brasil, durava cerca de 13 a 20 dias, por meio de navios negreiros, com porões infectados e com cerca de 300 a 600 pessoas de tripulação. Muitos negros não aguentavam e morriam antes mesmo de chegar em terra firme, as perdas desses escravos durante a viagem era de 50 à 60%. A proliferação de doenças era enorme, e também os suicídios. Quando chegavam ao Brasil eram selecionados de acordo com a resistência física, idade e grupo étnico. (RASSI, 2004).
Segundo Meillassoux (1995) apud Rassi (2004) esses escravos eram transformados em:
[...] indivíduos sem laços nem parentesco, afinidade ou vizinhança e por conseguinte aptos à exploração. Pela captura, eles eram arrancados à sua sociedade de origem e dessocializados, e pela ligação unívoca que mantinham com o senhor, eram descivilizados, e eventualmente despersonalizados.

          Para entender melhor o que vem a ser etnia o autor Kitahara (1998, p.135) afirma que “se entende etnia como possuir identidade étnica como ‘consentimento ou emoção de grupo’ ou se identificar na mesma língua, na cultura, nos agrupamentos regionais, etc.” e desta forma a sociedade é caracterizada pela sua etnia seguida, ou seja, em uma dada sociedade segue-se uma mesma cultura.
          De acordo com Rassi (2004) O Brasil é uma das poucas sociedades multiétnicas existentes no mundo. E isso faz da cultura Brasileira uma cultura rica. No Brasil a cultura afro-brasileira é uma grande influência em vários aspectos da sociedade, sendo mais forte esta influência na região do Nordeste, podendo ser vista na própria religião, na culinária e música e até mesmo na linguagem. Mesmo sendo uma grande influência na nossa cultura a cultura afro-brasileira era e ainda é discriminada por uma grande parte dos brasileiros, e seus costumes como danças e rituais eram proibidos de serem realizados em alguns lugares na sociedade.
          A cultura afro marcou a organização da sociedade brasileira, em que a miscigenação com índios e portugueses fez criar-se novos costumes e formas de expressão religiosa. A cultura negroide é visível na alimentação, música, vestuário, traços étnicos e também no sincretismo religioso, como pode ser visto nos calundus, candomblés e umbandas. No Brasil os africanos criaram uma cultura nova que carrega resistência e valores. De acordo com Peter Fry (1982) apud Rassi (2004, p.51) “os símbolos culturais negros- como o candomblé e outras religiões afro-brasileiras, a música, a culinária e outros elementos culturais de origem negra-foram nacionalizados e cooptados, e são definidos como parte da nacionalidade brasileira.”. Sendo assim, pode-se dizer que não existe no Brasil uma cultura afro pura, mas um hibridismo, fazendo uma ressignificação desta e a tornando afro-brasileira.
          No folclore brasileiro existem elementos africanos, e o processo de aculturação o torna integrante do folclore brasileiro no geral. As influências dos afrodescendentes na música e dança são grandes e Rassi (2004, p.52) afirma que:

A música e a dança que os africanos introduziram no Brasil surgiram dos seus cultos religiosos e das cerimonias rituais, envolvendo todo o cotidiano do negro. Destacam-se congada, batuque, capoeira, samba, frevo, dança de São Gonçalo, Moçambique, lundu etc.

          Assim como a dança as crenças religiosas também são elementos da cultura afro-brasileira, Rassi (2004, p.52) também faz considerações acerca da religião negroide e diz que:
Politeístas na África, os negros no Brasil misturaram suas divindades com os santos da Igreja Católica e, desse sincretismo, surgiram cultos variados nos terreiros onde são praticados. Destacam-se calundus, candomblés, macumbas e umbandas, produtos culturais mestiços, engendrados por contribuições africanas diversas, por elementos do catolicismo popular e do universo indígena.


A religião afro é rica em ritos, símbolos e mitos, onde seus deuses estão ligados a natureza e a importância dos elementos naturais para a para vida dos seres humanos. Para Eliade (1972) mito é uma realidade cultural extremamente complexa e ampla, ou seja, o mito esta ligado a uma narrativa, conta uma historia sagrada. Já o símbolo é “qualquer coisa que substitui e evoca outra coisa” e “assegura-lhe assim presença e ação contínua.” (ROCHER, 1971, p.156). O rito é uma ação com comportamento esteriotipado, seguida de consequências reais, mas que também podem iluminar a parte misteriosa que a humanidade tem de si. (CAZENEUVE, s/d). Considerando esses conceitos entende-se que a religiosidade afro possui uma estruturação rica, rígida e plural, fazendo ligações com as demais culturas religiosas existentes no Brasil, por meio do sincretismo religioso.

3. O PROFESSOR COMO MEDIADOR DA CULTURA AFRO BRASILEIRA: lei 10639 e os desafios na educação.

Baseado na importância dos povos brasileiros conhecerem a história dos povos negros e assim garantir direito ao respeito e dignidade foi elaborado a lei No 10.639, conforme esta lei, no dia 9 de janeiro de 2003 o Presidente da Republica Luis Inácio Lula da Silva altera a Lei nHYPERLINK "http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1996/9394.htm"oHYPERLINK "http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1996/9394.htm" HYPERLINK "http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1996/9394.htm"9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena", e dá outras providências.  A Lei nHYPERLINK "http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1996/9394.htm"oHYPERLINK "http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1996/9394.htm" HYPERLINK "http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1996/9394.htm"9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 26-A, 79-A e 79-B:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o As disciplinas História do Brasil e Educação Artística, no ensino médio, deverão dedicar, pelo menos, dez por cento de seu conteúdo programático anual ou semestral à temática referida nesta Lei."
 Art. 79-A, acrescido pelo projeto à Lei no 9.394, de 1996:
"Art. 79-A. Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria."
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
A cultura afro-brasileira é merecedora de grande respeito, pois enfrentou ao longo dos anos muitos desafios em relação a discriminação. A partir daí é necessário enfatizar a importância de um trabalho pedagógico baseado no conhecimento da história dos povos africanos e sua cultura, esta que hoje no Brasil se faz cada vez mais presente.
É importante compreender que os paradigmas da discriminação e exclusão somente serão rompidos quando professores assumirem seus papeis de educadores responsáveis por instigar a democracia, e atuarem como mediadores do processo de construção de conhecimento, passando a ensinar aos alunos verdadeiramente a história dos povos africanos promovendo o respeito e a ética aos valores que são atribuídos pela cultura negroide.
E necessário que os professores trabalhem juntamente com os alunos promovendo uma discussão teórica e reflexiva, abordando a importância da cultura afro-brasileira para nossa sociedade, não deixar passar disperso que a mesma faz parte da nossa cultura, pois no Brasil se concentra grande parte da população africana, mostrar aos alunos que as músicas, a religião e a culinária estão constantemente presentes em nosso cotidiano vivencial, pois se teve grande influência desta cultura em nosso país.
Então nessa perspectiva pode-se dizer que é imprescindível que os professores conheçam a história da cultua afro-brasileira e passam também a disponibilizar de materiais que instigam os alunos a conhecer melhor a história dos povos africanos e suas implicações na formação do ethos da nossa cosmogonia, pois na maioria dos livros quando se fala dos povos africanos enfatizam bastante a escravidão, a miséria, a inercia etc. Porém, além desses aspectos é preciso falar também que os africanos foram construtores de um rico processo cultural, que envolve, vestimenta, música, culinária, linguística, religiosidade etc, que irá contribuir de uma forma especificamente importante para a formação multicultural do povo brasileiro.
Percebe-se que existem muitos desafios para a implementação do ensino da história africana no Brasil, principalmente quando se fala da carência de materiais didáticos que falam diretamente da história e da cultura dos povos afro. Outra questão vista como desafio é a falta de interação entre os professores e o entorno escolar para a promoção da igualdade étnico-racial nas instituições de ensino.
Assim perante os desafios existentes pode-se perceber que é necessária uma mobilização dos educadores para pesquisar materiais que compõem a história da cultura afro-brasileira, e também a necessidade do governo disponibilizar mais materiais para possibilitar ao professor, a mediação da construção do conhecimento do aluno acerca do tema em destaque.
O ensino da cultura afro-brasileira deve propiciar ao aluno conhecer melhor a cultura africana e afro-brasileira, como também permitir uma conscientização para o rompimento de paradigmas tais como a discriminação racial. Deve, portanto visar a construção de uma sociedade democrática onde o preconceito e o racismo sejam eliminados objetivando agora o respeito com a diversidade. De acordo com Bobbio apud Rassi (2006, p. 36)

O preconceito e o racismo nascem ‘na cabeça dos homens’ é preciso combatê-los justamente na cabeça dos homens, com o desenvolvimento da consciência e com uma educação voltada para valores universais: direitos humanos, dignidade humana, ética, pluralidade racial, etc”

Fica evidente a necessidade de o professor instigar o aluno desde cedo a lidar com as diferenças, promovendo assim o respeito não somente para com a diversidade cultural, mas também a valorização da cultura afro-brasileira. O professor tem o desafio de propor ao aluno o conhecimento de culturas diferentes e trabalhar o respeito a essas culturas, pois a pluralidade cultural é cada dia maior. Compreender o próximo em sua manifestação cultural é aprender a respeitar o diferente e entender que se esta cultura faz sentido para aquela pessoa, não convém julgar.
Quando se trabalha novas manifestações culturais, não significa que estará impondo essa cultura ao aluno, ou tentando evangeliza-lo em outra religião, mas que é um enriquecimento para o seu conhecimento conhecer o mundo que o cerca em todos os aspectos, pois é só conhecendo o diferente para haver o respeito e acabar com o preconceito. A tolerância religiosa é algo que precisa ser trabalhado em sala de aula, para diminuir o numero de bulling ocorrido por preconceito religioso, principalmente com as religiões de origem afro.
Segundo Silva (s/n) o professor nem sempre se posiciona de uma forma positiva diante da diversidade cultural existente no ambiente escolar e cita que vários pesquisadores como Gomes (1995), Paraíso (1999),Gonçalves (1985), entre outros, revelam através de suas pesquisas que a questão racial constitui-se em um campo de silêncio no currículo em ação dos cursos de formação de professores. Os negroides, em muitos casos, só e lembrado no dia 13 de maio, revivendo-se a memória da princesa Isabel, como aquela que deu a liberdade aos afrodescendentes. Não se fala em luta, em resistência ou em conquista dos povos afro. O que predomina é a visão do escravo à espera de que algo de bom lhe aconteça.
Para a implementação da lei 10639 o professor precisa buscar conhecer mais sobre a cultura afro, e antes de tudo, se livrar dos preconceitos existentes em si mesmos. A pesquisa e a educação continuada são ferramentas importantes que auxiliam na atuação de qualidade. Trabalhar a cultura afro dá ao professor inúmeras possibilidades, pois pode ser trabalhado a questão étnica racial, cultural, religiosa, lutas e conquistas entre outros assuntos.
A resistência dos povos afrodescendentes precisa ser trabalhada na educação, pois apesar de terem sido escravos durante anos, haviam as lutas para que ocorressem a sua libertação, lembrando o fato ocorrido com zumbi dos Palmares que foi morto em 20 de novembro de 1695, pelas mãos de tropas portuguesas. Durante 14 anos, Zumbi comandara a resistência de milhares de negroides contra a escravidão, no Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas.
Segundo Gomes (2004), a formação do professor para a diversidade étnico-racial deve ser um processo de desestruturação dos mitos raciais. Os valores estão imbuídos nas práticas que precisam ser revistas para que se possam construir novos fazeres dentro da escola, fazeres que alcancem uma dimensão mais democrática no que se refere às diferenças raciais. Segundo Silva (s/n) o almanaque pedagógico afro-brasileiro (2007), diz-se que:

[...] quando a criança negra chega á escola, ela traz consigo uma série de indagações em relação ao seu pertencimento racial, à qual a escola irá responder de forma favorável ou não, através de suas práticas pedagógicas, atitudes, posicionamento e até mesmo de seus silêncios.


Por isso o professor precisar saber dar essas respostas a criança ajudando-a a compreender melhor a sua cultura e a história de seu povo. A questão da valorização cultural dos povos de todas as crenças, culturas e modos vivendi precisa estar presente no ambiente escolar, para que haja realmente o ensino voltado para o direito a diversidade cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
         
A cultura e diversidade é um tema pertinente na educação, pois a cultura como foi visto é um processo profundo e orienta a vida de um grupo. Devido ao etnocentrismo existente na sociedade, o trabalho com a diversidade cultural se torna complicado e as vezes sem resultados satisfatórios, pois a aceitação do diferente é algo difícil para  uma cultura que supervaloriza seus costumes e discrimina aquilo que é diferente. Ao abordar a lei 10639/2003, foi notável a diversidade de temas e atividades que podem ser desenvolvidas na educação para concretizar esta lei. Porém dependerá do profissional que irá atuar em sala de aula, pois este precisa se desfazer dos preconceitos culturais e religiosos e propor uma educação verdadeiramente laica, como é assegurado na Constituição Federal de 1988. Saber trabalhar com a diversidade cultural é imprescindível para que se construa uma sociedade mais humana e justa, onde valorize o próximo em suas peculiaridades.
Portanto conclui-se que há sim desafios para a implantação da lei citada acima, mas as possibilidades também são grandes, basta que o professor comece a rever suas práticas, conceitos e pensamentos, e realmente faça um trabalho comprometido em promover igualdade de oportunidade à todos, valorizando e respeitando a cultura afro-brasileira em todos os aspectos, sejam culturais, históricos e religiosos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT FILHO, Jose. Matriz Religiosa Brasileira. Religiosidade e mudança social. Petrópolis, Rio de janeiro, Koinonia, 2003.
BRASIL, Lei No 10.639/2003. In: Diretrizes curriculares nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, p. 35. Daqui para adiante será identificado como Lei 10.639/2003.

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