sábado, 7 de setembro de 2013

Ela parecia tão despreocupada. As sobrancelhas erguidas lhe davam um ar de esperteza e trazia nos lábios algo que não era um sorriso, ainda, mas estava prestes a ser. Mas sabe  aquele sorriso que quase é, e você fica esperando para acontecer e não acontece?
Pois é! Era esse o bendito sorriso. Devia ter um pouco mais que dez anos de idade. Seu cabelo desgrenhado e seus pés sujos a faziam parecer uma daquelas crianças que tem um pé na infância e um pé no mundo adulto. Porem o que realmente me chamou atenção foram os olhos. Aqueles olhos traziam uma expressão tão simples, mas tão simples que eu não sei se um dia tive a chance de trazer em meu semblante algo tão puro. Era algo indefinido, nem eu nem ninguém poderíamos explicar o motivo daquele olhar. Poderia ser a satisfação de uma brincadeira entre amigos... Mas não! Era leve demais. Poderia ser o desempenho bem sucedido em uma matéria na escola... Não! Aquele olhar não trazia nenhuma soberba. Talvez fosse a alegria de estar chegando em casa, já que estávamos em um ônibus... Mas céus. Eu já vi esse tipo de alegria em outros rostos e em nada se parecia com aquilo. Acho que eu poderia passar horas aqui fazendo suposições e a conclusão nenhuma chegaria. 

Para alguém como eu, um homem de sessenta  anos, sem esposa, com filhos que se me vissem nem me reconheceriam apostador, frequentador de bordeis,  fumante, um homem cujo o único respeito com que podia contar era o dos companheiros de garrafa, com as mãos cheias de calo por realizar um trabalho  apenas para sobreviver, para este homem aquele olhar parecia algo que eu havia perdido pelo caminho, algo que eu talvez eu nunca tenha tido ou se eu tivesse tido havia sido arrancado de mim. Por uma vida miserável, por valores que não tive, por ambições erradas, por tanta coisa meu Deus... Tanta coisa que olhando para aquela menina eu tive vontade de não sei como voltar no tempo, mas ainda sendo esse homem grande que sou hoje, e pegar no colo aquele menino de cinco anos que um dia fui e tampar seus olhos, cobrir seus olhos e seus ouvidos, mas antes sussurrar:

--- Sabe todas as coisas ruins, feias, e tristes que te ensinarem? Não aprenda menino. Não seja um menino sozinho. Porque solidão é triste e tristeza não vale nada.   

Ali, sentado em meu assento de idosos com minha mochila no colo eu tive vontade de fazer isso com aquela menina, que poderia ser minha neta. Tive vontade de dizer isso a ela. Eu usaria exatamente essas palavras. Diria exatamente isso. Para que ela nunca perdesse esse olhar. Queria ter dito isso aos meus filhos, que eu mesmo não reconheceria se visse na rua. 

Mas eu não disse e aquele menino de cinco anos que fui não existe há muito tempo. 

Alguns amigos se aproximaram da menina e seu olhar mudou, como que por encanto. Agora era algo mais comum, algo reconhecível. Senti-me aliviado! Agora ela era apenas uma menina em um ônibus indo para algum. Eu não devia nada para ela e ela para mim. 


Ajeitei-me melhor em meu assento e tratei de parar de pensar em tais besteiras. Acho que hoje vou beber uma cachaça no seu Miguel. Hoje preciso mesmo é tomar trago.
Autora Juliana Kellys

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